Artigo Guilherme Afif sobre a Reforma Tributária

Compartilhamos análise interessante de Guilherne Afif Domingos – Secretário especial de Projetos Estratégicos do Estado de São Paulo, sobre a Reforma Tributária. Boa leitura!

REFORMA TRIBUTÁRIA – DESAFIOS E INCERTEZAS

A forma atabalhoada e na base do atropelo como foi aprovada a PEC 45 na Câmara dos deputados traz dois tipos de preocupação

A primeira é que ao alterar a Constituição em uma noite em dois turnos revelou a fragilidade do texto constitucional como garantia para os empresários e cidadãos.

A segunda é que a falta de debate e as pressões de última hora desfiguraram tanto o texto que fica quase impossível dimensionar os riscos que a aprovação no Senado pode oferecer, se não forem feitas alterações significativas no texto.

A PEC foi apresentada na Câmara dos Deputados, como um sistema de tributação do consumo baseado no IVA, com alíquota única, sem incentivos fiscais, seguindo os padrões de países da OCDE, mas, na verdade, quase todos países possuem alíquotas diferenciadas e incentivos fiscais.

Além disso, a realidades desses países é muito diferente da brasileira, pois, no geral são estados unitários.

O Brasil com três níveis federativos, apresenta características completamente distintas que dificultam a unificação dos tributos de consumo de diferentes entes, como afirmava o ex-ministro Francisco Dorneles, recentemente falecido.

“Sempre atentei que não se muda um sistema tributário com facilidade. Além das dificuldades naturais a qualquer reforma estrutural, há um agravante no Brasil que são as implicações federativas. As dificuldades de mudanças do sistema fiscal do Brasil são mais de natureza federativa do que de natureza tributária” (Francisco Dorneles)

É interessante observar que a maioria dos defensores da PEC, agora aprova o texto da Câmara com todas as mudanças feitas que contrariam as premissas da proposta original. (Do texto original só ficou o número 45)

Complica, ainda mais, o fato de que a proposta visa muitos objetivos:

  • Altera a natureza de um imposto, IPI, e uma contribuição PIS/COFINS, para transformá-los em imposto de consumo.
  • Pretende também transferir carga tributária de um setor (Indústria)

para outro (Serviços).

  • Muda a sistemática de incidência do Imposto da origem para o destino.
  • Propõe compensar incentivos fiscais dos estados e estimular o desenvolvimento regional criando dois Fundos, sem especificar suas fontes de financiamento.
  • Altera a distribuição das receitas de quotas partes dentre os

municípios.

Roberto Campos dizia que “No Brasil, logo que surge uma ideia transformamos em lei e criamos os organogramas das instituições. Ao levarmos essa lei para a realidade, percebemos ela não funciona. É a hora em que entra o jeitinho para ajustá-la a realidade”.

Para viabilizar essas mudanças, que mais do que uma reforma, representa a criação de um novo sistema, mas que deve conviver por muitos anos com

– Adota um período de transição de oito anos para os contribuintes. Para os entes federativos a transição é de 50 anos, se não for alterado no caminho.

– Transfere para Lei Complementar, disposições absolutamente necessárias para a análise do que se está propondo constitucionalizar.

– Cria o Conselho Federativo, que vai centralizar poderes dos Estados e Municípios, como órgão de arrecadação, normativo, árbitro nos conflitos federativos e, ainda, com competência para apresentar projetos de lei complementar à Constituição Federal.

– Proíbe que estados e municípios possam conceder incentivos fiscais, o que implica subtrair-lhes, ao menos parcialmente, a autonomia prevista na Constituição como cláusula pétrea.

– Permite o “split payment” (pagamento vendedor no ato da operação), e a “auto liquidação das operações” (que obriga o comprador a recolher o imposto no do pagamento do fornecedor) e a possibilidade de condicionar o crédito ao efetivo recolhimento do tributo na fase anterior, modalidades utilizadas apenas em casos específico em outros países, pelos seus efeitos negativos de aumento da burocracia e sobre o capital de giro das empresas.

-Permite criar o “cashback” (nome bonito) para produtos da cesta básica adquiridos por consumidores de baixa renda, o que geraria muita burocracia, apenas para impedir que os ricos possam se beneficiar da isenção dos produtos da cesta básica, também prevista no texto.

– Prevê a criação da “cesta básica nacional” em país continental e com regiões e hábitos alimentares tão diversificados.

Sun Tzu, em sua “Arte da Guerra” recomendava ” Deixe espaço para realizar manobras. Por mais perfeito que seja o Plano, sempre haverá imprevistos”

Como se pode constatar essas “inovações” para simplificar o sistema tributário, representam grande risco de, na hora de regulamentá-las, se constatar dificuldades (imprevistos diria Sun Tsu) sem que se possa fazer alterações (espaço para realizar manobras) no que foi colocado no texto constitucional.

Esse ponto é muito importante porque a PEC é muito abrangente, mas, ao mesmo tempo, deixa muitas definições importantes para a Lei Complementar. Vamos constitucionalizar depois, fazer a Lei Complementar, a partir das qual serão feitas leis ordinárias, inclusive nos estados e municípios, quando poderão ficar mais explícitas as dificuldades e execução.

Acredito que seria muito mais racional começar por eliminar as distorções dos tributos existentes e fazer as alterações necessária pela via infraconstitucional para, depois se avançar para alterações mais profundas ou, como alternativa, discutir a PEC 46 que se acha no Senado, em conjunto com propostas para a desoneração da Folha.

Se continuarmos a discutir o texto aprovado na Câmara e considerarmos os prazos de vigência nela estabelecidos, mais o tempo necessário para a evolução da Lei Complementar e da legislação ordinária e demais normas nos três entes federativos e, ainda, o prazo de transição, estaremos seguramente, mantendo o país em um ambiente de incerteza e insegurança jurídica que dificulta não apenas os investimentos, mas, inclusive, o dia a dia dos empresários.